Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa.

          Ela não é fácil. Não é maleável. E como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um violento pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialidade.

          Às vezes, ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes, se assusta com o imprevisível de uma frase.

          Eu gosto de manejá-la como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.

          Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastariam para nos dar sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do "túmulo do pensamento" alguma coisa que lhe dê vida.

          Essas dificuldades, nós temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada.

          O que recebi de herança não me chega.

          Se eu fosse muda e também pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas, só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.

 
 

 
 

(In: A Descoberta do Mundo)

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03/09/2006