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Papai
e sua irmã, mais nova que ele, quando vieram de Portugal
(com a mãe, viúva muito jovem) foram criados em Teresópoils, morando na casa de meu bisavô, cuja
propriedade foi vendida, loteada e hoje é um bairro
inteiro, na Várzea: a Vila Muqui; tenho um terreno lá,
herança de família, que coloquei à venda há uns três
anos. Papai estudou em colégios da cidade quando
criança, assim como minha tia, e também em Petrópolis,
já na adolescência. Depois, todos vieram morar no Rio de
Janeiro.
Mas Teresópolis sempre esteve presente em minha vida.
Desde os seis anos de idade, até depois de casada e já
com filhos, passei férias na cidade (primeiro em hotéis,
como o Granja Dedo de Deus e o Higino, e depois em
nossos apartamentos), muitas vezes também com meus
primos do Rio; minha tia alugava um apartamento por
temporada, quase sempre perto de nós. Às vezes eu
convidava uma amiga, ou minhas primas maternas para irem
conosco curtir o clima da serra. Vimos o município
crescer desordenadamente até que meus filhos também
cresceram e não quiseram mais ir para lá; papai e mamãe
começaram a ficar sozinhos, quando decidiam ir passar
algum tempo em Terê. Eu nem sempre podia me dividir e
acompanhá-los.
Posso dizer que conheço quase tudo por lá; aprendi a
dirigir, praticamente, na Rio-Bahia, passando por vários
destes lugares que estão destruídos agora. Íamos muito a
Petrópolis e Friburgo, por Teresópolis. Fomos muitas
vezes a hotéis como o Le Canton e Saint-Moritz, que eu
nem sei como devem estar... Costumávamos passear no
Bairro do Albuquerque (onde há o Country Club e onde eu
tinha uma amiga, cuja casa ficava quase em frente ao
clube); fomos bastante à Cascata do Imbuí, na Posse,
almoçávamos na Pensão São Judas (que já não existia mais
há algum tempo, e que ficava pertinho da entrada
principal do Golf Club; era uma delícia!). Papai adorava
me mostrar e contar a história da montanha que é chamada
de Quebra-Frascos, bem perto do local que hoje é chamado
de Caleme, e que foi arrasado com a enxurrada... Íamos
sempre mostrar, a quem nos visitava, a bela casa dos
Guinle, igual a um castelo inglês, lá para aqueles lados
também.
As chuvas e cabeças d’água não são novidade na cidade, e
na parte da estrada Rio-Teresópolis que fica na serra
(como na sub-sede do Parque Nacional, onde há o célebre
“pocinho”); o problema agora é que as águas encontram
muito mais gente e obstáculos pelo caminho.
Eu mesma, em meu fusquinha, participei de algumas
campanhas para arrecadar roupas e mantimentos, em outras
enchentes anteriores, de menores proporções, no entanto.
Os donativos eram sempre entregues no Tiro de Guerra da
cidade.
Vimos nascer a Faculdade de Medicina. Fomos sócios
durante anos do Clube das Iúcas, lugar onde há muitas
casas de niteroienses. Passei praticamente todos os
melhores verões e carnavais da minha adolescência e
juventude neste clube; nele joguei muito ping-pong e
vôlei. Fica perto do Hospital São José e o local deve
ter sido poupado, porque é no Alto, perto de onde
morávamos. São tantas histórias e lembranças!
Ir ao boliche do Alto e, depois, ao da Várzea, perto do
Ginásio Pedrão, já com os meninos crescidos; ir ao
cinema (havia três principais: o do Alto, o Alvorada na
Reta, perto da Prefeitura, e o Vitória, no parque
Regadas... nenhum deles existe mais). Que maravilha
passear no Parque Nacional ou na Granja Comary (que foi
igualmente dos Guinle e depois, em parte, do ‘trapalhão’
Didi) com seus cinematográficos lago e gramado: hoje a
propriedade está toda loteada, há um clube e ainda a
sede da CBF plantados lá dentro. Como era bom lanchar na
Taberna Alpina, andar de cavalo, charrete e de trenzinho
na pracinha do Alto, onde há a feirinha (que hoje é uma
bagunça, aliás!); brincar no parquinho de diversões da
Várzea, ir à colina dos Mirantes (no caminho havia uma
fábrica da Sudamtex)... Ir à missa no Carmelo ou na
Igrejinha de Santo Antônio, no Alto; beber água na Fonte
Judith, comer as massas e tomar os sorvetes da Italiana,
no Parque Regadas. Ah...Havia tb os deliciosos
chocolates e doces húngaros do Mickey, na praça da
Igreja da Várzea e os doces franceses da Marseillaise,
na Rua Itália! Era bom passear na Cascata Guarani, na
Casa das Sete Piscinas, na Cascata dos Amores, ir ao
Soberbo, a pé ou de carro, de dia ou de noite: com o
tempo bom...não há vista mais linda!
Quando eu, e depois os meninos, éramos pequenos,
curtimos muito tudo isso: primeiramente, no Edifício
Arco Íris, na rua Marechal Taumaturgo, um lugar
popularmente chamado de Buraco Quente. Pegávamos muitos
vagalumes em vidros (que depois soltávamos), na pracinha
da esquina, onde antes havia um brejo cheio de sapos
cantores. Fizemos bons amigos e boas travessuras, eles e
eu, cada um em sua respectiva época.
Mais tarde, papai e mamãe compraram o apartamento do
Bairro de Araras, hoje Bairro de Fátima, bem próximo à
Casa de Cultura e à Igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Os netos curtiram bastante esta nova moradia, na época,
andando de bicicleta e brincando na rua de terra do
condomínio; depois, suas motivações e interesses foram
naturalmente mudando, em função da idade.
Lá existe, até hoje, um pequeno rio que passa atrás do
prédio e que, com bastante freqüência, costumava encher,
mas nunca causando maiores danos ao local, graças a
Deus.
Mamãe foi ficando com mais dificuldade para dirigir e eu
me preocupava muito quando eles iam para lá sozinhos. A
rua é um “perto/longe”, até bem pouco tempo ainda de
terra. Não há elevador no prédio, e a companheira de
todas as horas (a nossa antiga empregada, que ajudou a
me criar e que sempre ia com eles para lá) parou de
trabalhar: mamãe perdeu a companhia e a ajudante. Como
ela ia cuidar daquele apartamento, sozinha, mesmo
comendo fora, mas dependendo de táxi para cá e para lá?
E papai nunca aceitou muito bem a idéia de contratar
alguém ‘estranho’ para ajudá-la na arrumação e limpeza,
por falta de confiança... O apartamento foi ficando para
trás e meio abandonado, até que eles pararam de
freqüentá-lo. Fazia três anos que eles não iam lá,
quando mamãe faleceu, com certa mágoa de não ter passado
mais nenhum longo período, durante o ano, na cidade que
ela tanto amava! Depois, papai também se foi...
Coloquei o apartamento à venda desde o final do ano
passado.
Eu já não queria ir mais para Terê. Não fazia mais
sentido para nenhum de nós, e a cidade já não era
realmente mais a mesma que conheci; agora, ficou um
pouco mais difícil! Falta motivação e, sobretudo,
coragem... confesso!
Mas... Quem sabe um dia, verei ainda outra Teresópolis,
renascida e confiante, apesar das duras cicatrizes
deixadas, neste verão de 2011, por uma natureza
descontente?
Niterói, 16 de janeiro
de 2011
(...em homenagem a meus
pais e à Teresópolis que eu conheci, em parte destruída
pelas terríveis chuvas que se abateram sobre a região
serrana, no último 12 de janeiro)
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20/03/2011 |
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